É o início da noite de um dia qualquer e eu estou sozinha num café, ouvindo um soft jazz e o barulho da chuva batendo na janela. Não tem quase ninguém e as mesas ocupadas estão com duas ou três pessoas sentadas, no máximo. De vez em quando, alguém fazia um café novo, ou pegava um salgado no balcão. Não estou fazendo nada de especial, apenas lendo meu livro, mas a concentração ainda falha. Não consigo passar mais de dois minutos lendo sem depois ter que relembrar o que tinha lido antes. Já estava acostumada com essa confusão mental.

Isso porque, depois de ter passado anos trancada em casa, apenas trabalhando e saindo só para o necessário, meu cérebro entrou em colapso. E não era apenas comigo que isso tinha acontecido. Muitas pessoas que seguiram o isolamento social corretamente e conseguiram sair da pandemia sem pegar o vírus, acabaram desenvolvendo um processo de exaustão mental que os cientistas ainda estavam estudando. Não havia remédio para isso, mas tinha tratamento: descanso. Mas descansar era algo que as pessoas haviam esquecido de fazer, ou simplesmente não tinham como fazer, pois estavam em casa o tempo todo.

Assim, foi instituído mais um dia da semana para descanso e a maioria dos países seguiu a recomendação da OMS. A sexta-feira, então, passou a ser apenas "sexta", pois ninguém poderia mais trabalhar neste dia, por lei, além do sábado e do domingo. Várias adaptações às leis trabalhistas tiveram que ser feitas, obviamente, mas este processo havia se tornado mais fácil depois da queda do capitalismo.

Neste café onde eu estava, por exemplo, não havia funcionários. Cada pessoa entrava com um cartão de identificação universal e poderia usufruir das instalações, passar um café, usar a internet, pegar um livro, ou uma fatia de bolo. Bastava apenas deixar numa jarra o dinheiro que achasse justo pelo serviço antes de ir embora. Eu mesma, dava aulas de inglês em troca de aulas de piano, tudo online, pois a educação foi adaptada e agora o aluno escolhia como queria aprender e todos participavam do processo de aprendizagem. Outros alunos preferiam pagar com dinheiro mesmo, o que me ajudava a ir a esses cafés e fazer outros passeios.

Mesmo com essa evolução e depois de tanto tempo ter passado desde o fim da pandemia, as sequelas ainda eram muitas. Para mim, foi a confusão mental. Para outras pessoas, as sequelas do próprio vírus. Outros, cuidavam de sua ansiedade. E o medo de uma nova pandemia ainda estava vivo em todos os que tinham passado pelo auge do coronavírus. A vacina era reaplicada a cada ano, mas as mutações demoraram a ser controladas.

Eu ainda tinha medo de sair de casa e de me relacionar com os outros. Nunca mais tive a oportunidade de conhecer ninguém tão profundamente a ponto de ter novas amizades. Tinha muita saudade dos tempos antes da pandemia e o pós-pandemia nem foi tão "pós" assim, pois ainda estava presa, com medo e marcada pelos momentos duros que enfrentei junto com o resto do mundo.

1 Comentários

Leave a comment