Minha bisavó, toda vez que minha mãe ia visitá-la, dizia: "Deus te livre do mau vizinho". Depois de um tempo, comecei a compreender melhor o que ela queria dizer.

Nossos primeiros vizinhos não foram muito bons. Varriam coisas para debaixo do nosso tapete de entrada, pegavam pedaços das nossas plantas para replantar nos próprios jarros sem pedir, batiam na porta da nossa casa com um copo cheio de gelo pedindo o whisky do meu pai. Parece bizarro ou normal pra você? Calma que tem mais coisa. Preparavam as saladas e vinham pedir azeite, deixavam o filho bebê bater no meu irmão igualmente bebê (e menor que ele) e depois carregavam o menino pra longe quando era hora dele se defender, ficavam olhando da janela para nossa garagem enquanto arrumávamos o carro para viajar, e soltavam gracinhas quando viam o carro cheio de coisa e com pouco espaço para nossas pernas. E esses eram apenas os vizinhos de porta.

Os vizinhos do outro lado, também funcionavam no mesmo nível. O marido era delegado e a mulher dona de casa com duas filhas. Gritavam muito durante brigas homéricas que culminavam com ameaças com ele armado. Minha mãe, muitas vezes sozinha (e até grávida) em casa, não sabia o que fazer, a não ser desligar as luzes e fingir que não tinha ninguém. Um belo dia, a mulher bateu lá na porta com as duas filhas pequenas, segurando a mãozinha de uma delas. Perguntou à minha mãe se ela tinha remédio para queimadura "porque esta caninana (aquela cobra horrorosa) botou a mão desta burra no ferro de passar roupa!". Foram uns dez anos disso, até finalmente nos mudarmos e as preces da minha bisavó serem ouvidas.

Passamos alguns anos com vizinhos legais, pouco barulhentos, pessoas normais em geral. Alguns episódios aconteceram, como quando os vizinhos de cima adolescentes resolveram que seria uma boa ideia andar de skate pela casa a uma hora da manhã. Ou quando a vizinha de cima resolveu tirar todo o piso do apartamento e substituir por outro - não há palavras que possam descrever as marteladas diárias que me acordaram por vários meses seguidos. Aliás, barulho de obra e festa, pra mim, sempre foram as piores coisas. Normalmente preciso fazer coisas que requerem concentração, tipo estudar, ler ou dormir, mas alguém resolveu ligar um som no volume máximo muito acima do permitido. Porém, só precisamos chamar a polícia uma vez, quando um vizinho achou que era uma boa ideia contratar uma banda completa para tocar ao vivo num salão de festas de um bairro residencial. Esse aí extrapolou todos os decibéis possíveis - e os níveis do respeito.

Hoje em dia, moro num lugar onde as pessoas normalmente passam os finais de semana e os feriadões. Tirando os quatro meses quando os vizinhos do lado resolveram construir uma jacuzzi localizada pertíssimo da parede do meu quarto e me acordaram quase diariamente às sete horas da manhã com marteladas. Os barulhos ocorrem mais nos finais de semana. Tem dias que coincidem as festas e eu posso ouvir três tipos de músicas diferentes tocando ao mesmo tempo, pessoas gritando e falando alto. Assim, todo o propósito de vir morar no mato para fugir dos barulhos da cidade grande vão por água abaixo.

Viver em comunidade é muito difícil. A não ser que você consiga viver isolado num monte budista, ninguém está livre dos vizinhos. E, como eu me incomodo demais com barulhos produzidos por outras pessoas sem necessidade, era lá onde eu gostaria de viver mesmo. E não é só barulho, cheiros também, porque é cada churrasco que o pessoal faz que deixam minhas roupas no varal defendo a fumaça. Por enquanto, só posso desejar a todas as pessoas o mesmo que minha bisavó desejava à minha mãe: "Deus te livre do mau vizinho".

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