Eu sabia contar histórias. Será que ainda sei? Normalmente só consigo pensar em algo para contar quando minha cabeça está mais vazia.

Rute tinha uma bicicleta. Ganhou de presente de Natal aos 12 anos. Talvez fosse meio tarde para receber um presente assim, mas seus pais acharam que ela gostaria. Sua bicicleta era rosa com uma cestinha branca. Não demorou muito para Rute se acostumar com o novo tamanho do brinquedo. Colocava seu livro, seu caderno, um lápis, biscoitos e uma toalha na cestinha e saía por aí. Ainda bem que ela morava numa cidade pequena e calma, senão seria bem diferente, ela estaria andando no salão de festas do prédio, coisa mais sem graça.

Depois da bicicleta com cestinha, a vida de Rute ficou mais interessante. Pedalava até o parque, escolhia um lugar para sentar, forrava a grama com a toalha - ela tinha alergia à picada de formigas -, lia e comia seus biscoitos. De vez em quando, arriscava fazer um desenho ou escrever alguma coisa, mas só quando o parque estava meio vazio, pois tinha vergonha das pessoas olhando. Sua vida era bem interessante, cada dia notava algo diferente no parque, e tentava sempre escolher um lugar onde não tinha estado antes.

Porém, os pais começaram a ficar preocupados com a menina. Estava cada vez mais sonhadora, saía quase todos os dias com a bicicleta e não se preocupava em fazer amigos na escola - não queria ninguém atrapalhando suas tardes maravilhosas no parque. Eles reclamavam, pediam que ela chamasse alguém para sair com ela, mas Rute se recusava e dizia que era muito melhor ficar sozinha. Quanto mais os pais falavam, mais ela saía de casa com a bicicleta.

Rute não era uma menina esquisita. As pessoas até a achavam bonita, tinha os cabelos longos bem cortados e sempre soltos. Aos quinze anos, arrumou um namorado. Deixou a bicicleta de lado. Só levava seu livro, a toalha e os biscoitos. O menino ela conheceu no parque, gostavam de fazer a mesma coisa. Agora, Rute tinha onde apoiar as costas. Seu namorado, também.

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